domingo, 26 de abril de 2009

Lygia Fagundes Telles


“Olhei as nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido, via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma certa irritação me fez andar.

(…) Agora entendia. Aí estava o segredo daquela segurança, daquela calma. Era a tal fé que removia montanhas...”

Trecho extraído do conto Natal na Barca de Lygia Fagundes Telles.

Recomendo a leitura não só deste conto como de outros da mesma autora. Trata-se de uma excelente contista, capaz de prender a atenção do leitor do princípio ao fim da narrativa. Neste conto em especial, o que chama a atenção é a sugestão de um acontecimento voltado para a análise de nossas crenças. Quando ela aborda que tudo aconteceu numa época em que nossa fé pode ser renovada, era Natal, pode ser buscada e por meio dela podemos conquistar a segurança e a confiança nos fatos cotidianos, pois, neste sentimento de fé, que não conseguimos explicar, está contido inúmeros outros quesitos: resignação, busca, encontro, perseverança.

Outro aspecto interessante na autora é que ela não nomeia as personagens. Trata-se de uma narrativa em 1ª pessoa e os nomes para o que o conto comunica tornam-se indiferentes, ao passo que tem um caráter intimista, portanto voltado para análise do eu, do universo interior do ser humano, das questões que povoam nossa alma, nossa mente, nosso universo particular. O que importa nomes neste contexto? O que vale realmente é o conhecer a fundo o ser humano, analisar, buscar respostas às perguntas que assolam a todas as pessoas… o olhar também é importante em contos intimistas. E não está ausente nesta narrativa. Num dado momento a autora afirma: “Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos”, noutro ponto ela afirma: “Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes”, “Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas”, “O queixo agudo era altivo, mas o olhar tinha a expressão doce”… pode-se perceber as inúmeras menções que há no conto sobre o olhar, isso nos remete a perceber e considerar uma das principais características de narrativas intimistas, dando ênfase ao ditado popular “os olhos são o espelho da alma”, portanto por meio dele pode-se conhecer o que vai dentro de nós, nossos mais profundos sentimentos.

Por: Edi Souza


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