quinta-feira, 13 de maio de 2010

Desencanto



Eu faço versos como quem chora

De desalento, de desencanto

Fecha meu livro se por agora

Não tens motivo algum de pranto.

Meu verso é sangue, volúpia ardente

Tristeza esparsa, remorso vão

Dói-me nas veias amargo e quente

Cai gota a gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca

Assim dos lábios a vida corre

Deixando um acre sabor na boca

Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira foi um dos grandes poetas em língua portuguesa. Ele é, sem sombra de dúvida, um ícone da literatura brasileira. Sua obra é inconfundível, pois as características que o norteiam estão constantemente presentes em suas composições.

Bandeira viveu cercado pela presença da morte, em virtude da doença que o acometia. Era uma presença constante, uma ligação que extravasava em seus versos. Daí podemos verificar em seus poemas esta angústia rouca, este afã de passar o que vai dentro da alma: as dores, as desilusões, as buscas, os amores… nos seus versos o poeta deixa claro, ou mesmo sintetiza num verso único o que foi sua vida, o que foi sua poesia: “A vida inteira que podia ter sido e que não foi…”.

O poema acima evidencia alguns dos principais elementos norteadores do fazer poético comum a Manuel Bandeira. Dentre eles, destacam-se:

A metapoesia – faculdade de explicar o fazer poético por meio da própria poesia, ou seja, explicar a sua forma de composição por meio dos versos. Deixar claro ao leitor como é composta a poesia. Em todas as estrofes o autor deixa claro que está falando deste compor:

“Eu faço versos como quem chora…”, por meio deste verso podemos entender a poesia como um lamento, ou mesmo, uma forma de expor o que está dentro de nós. O ato de chorar faz com que sejam derramadas lágrimas, um lamento que pode ser silencioso ou mais espalhafatoso, mas as mais sentidas são os lamentos mudos, as lágrimas solitárias que exprimem a dor pelo que podia ter sido e não foi, pela vida que poderíamos ter tido e não tivemos.

A presença da morte torna-se evidente no poema, assim como a desilusão, o desalento… e uma outra coisa que chama a atenção nos versos acima é a capacidade do autor em estabelecer ligação com o leitor. Esta ligação se dá por meio das angústias, dos sofrimentos que assolam a todos, as mãos taciturnas das desilusões e dos desejos reprimidos, ou incapazes de serem vividos…

“Fecha meu livro se por agora

Não tens motivo algum de pranto…”

Quem em seu íntimo não guarda inúmeros motivos de pranto? Quem não tem uma bagagem que preferia deixar num aeroporto ou porto extraviada para sempre? Somos moldados por estes sentimentos, somos fruto de nossas conquistas, mas moldados sobremaneira pelos conflitos, pelas desilusões, pelo sofrimento, pelas dores. As nossas dores, as dores do mundo, as dores pequenas que se tornam do tamanho da nossa própria vida.

Por: Edi Souza

2 comentários:

  1. Poesia é algo que encanta, emociona e diz o praticamente indizível, e vou compartilhar aqui uma parte de um poema, muito importante na minha vida:

    "Universo doce e terno,

    Imagens tuas e minhas…"

    Parabéns pelo texto! Beijos

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  2. Realmente a poesia é algo encantador. E estes versos que vc citou são conhecidos meus. Acho muito lindos...

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