domingo, 13 de setembro de 2009

A tristeza e a angústia


Notas tristes, notas solitárias e notas cheias de emoção contida, uma lágrima derramada no escuro de uma solidão que se agiganta dentro de um coração que se supõe de pedra. A música daquele momento soava triste, mas tão triste quanto o ser dilacerado que a escutava, mas era preciso mesmo assim ser forte, mesmo diante da dor, do sofrimento, da busca de si… afinal era apenas o retrato do ser humano, era apenas o distanciamento, a angústia, a espera… era o amor que ia e que vinha.

A solidão é produto de tudo que as próprias pessoas fogem e na verdade correm para ela… a solidão é assim, amiga e inimiga, temida e procurada, companheira e ser dilacerante. A solidão é a essência do ser humano. Será que todas as pessoas já repararam o quanto o ser humano é só, o quanto o espectro da solidão nos assombra? Será que alguém pode dizer que não vive sozinho? Buscamos aventuras, companhia, festas, amores, tudo para preencher o espaço imenso que cada pessoa traz dentro de si e irreparavelmente se torna maior a cada dia, se torna mais profundo, mas torturante… no meio da busca pela plenitude encontramos pessoas as quais julgamos capazes de preencher de nos dar alento, bálsamo para a alma, abrigo, proteção e no final encontramo-nos mais sozinhos, mais solitários, mais “casmurros”. O remédio para o mal que aflige nossa alma se mostra ineficiente, pois é responsabilidade demais dar a outros a missão de nos trazer a tão falada e sonhada felicidade; não cabe a ninguém nos dar felicidade, cabe a nós mesmos tentarmos apenas contornar o vazio, ou fazer do vazio algo produtivo, algo que encontre respaldo criativo, resgate nossa alma, nosso sonho.

No entanto as notas da música erudita continuavam tristes… ecoando numa alma vazia, numa alma quebrada, numa alma que se julgava sem vida, numa alma que não via eco… assim se encontrava aquela jovem após procurar e não encontrar, após bater e ninguém abrir, após falar e ninguém ouvir…

Aquele era o retrato de uma pessoa que sempre esbanjara força, no entanto, naquele momento, toda fortaleza e autoconfiança contrastavam com a dor que calava fundo, que se mostrava de uma forma singular, apesar de jovem, aparentemente não acreditava mais em fatores que muitos julgam fundamentais na vida, dentre os quais reinava absoluto o amor. Para ela o amor, esse tão falado e idolatrado sentimento dentre tantos, hoje não passava de uma forma de acentuar ainda mais toda a angústia do ser humano.

Aquela moça no auge de seus 23 anos, sempre tão alegre, obstinada, determinada, conhecera enfim o dilacerante braço e o toque amargo de um amor desfeito. E ela pensava:

- “Não posso acreditar nesta dor, não posso acreditar que fui deliberadamente abandonada desta forma…”

E hora ou outra uma nova lágrima rolava pela dor da perda definitiva, não se tratava apenas de um amor desfeito era muito mais que isso… era uma vida desfeita, era um final abrupto… a pessoa a quem a garota julgou que poderia definitivamente mudar a sua vida, transformar a sua existência em algo mais bonito, repleta de prazer, de vida, um caminho permeado por flores e caminhado junto, não havendo espaço para mais solidão. Ela sempre se indagara sobre o compartilhar o caminho. Quão gostosa e magnífica é a ideia ou a utopia de compartilhar, de dividir para somar, de se entregar para construir…

E agora ela acreditava que realmente tudo não passara de uma ilusão, de um sonho que se acabara, de uma fantasia distante dela… conhecer a pessoa de nossos sonhos… ela havia conhecido e acreditava nunca mais poder sentir a mesma coisa por outra pessoa…

Seu amor, aquele ser tão cheio de vida, de sentimentos, de cuidados para com ela, a completava, espantava a solidão, no entanto a felicidade nunca pode estar completa e quando achamos que ela está inteira, que a vivemos em sua plenitude, vem o destino e nos mostra de forma cruel a inegável e dolorosa condição humana, nos joga num mundo de realidade, num universo real, sólido, frio, concreto. Assim foi para ela, no momento em que se sentia mais protegida, acolhida, completa, veio a mão do destino e de forma impiedosa tirou a esperança de ser feliz para sempre… deixou um gosto acre na boca, uma amargura e a inevitável solidão.

Nos momentos de amor vividos ao lado do “grande amor da sua vida”, a garota não podia imaginar o que estaria por acontecer, no entanto a tragédia acomete a todos impiedosamente. E com as suas asas negras estabelecera-se sobre ambos, sobre os jovens que pronunciavam juras eternas de amor, respeito e compreensão. O lampejo de felicidade que ambos viveram foi um vislumbre momentâneo, uma réstia do que poderia ter sido, do que seria ser feliz completamente.

Mas a morte chega sorrateiramente, de onde ninguém espera, ninguém sabe, ninguém vê… muitas vezes sem avisos, sem preâmbulos, apenas chega e destrói, tira a esperança e fé, todos os sentimentos bons que porventura existiram. E ela chegou assim… sem qualquer tipo de aviso, sem dar tempo para que a moça se preparasse.

Eles se conheceram e viveram por um longo e delicioso período de quatro anos, inúmeros momentos de extrema felicidade como superaram tantos outros de tensão, venceram obstáculos, crises, pois não há relação perfeita, não há relação sem atritos, sem desavenças, sem ciúmes, sem mágoa. Aquela tarde fria e chuvosa de meados do mês de agosto parecia ao mesmo tempo tão perto e tão distante. Fora a tarde em que ambos se conheceram e o exato momento em que brotou entre eles um sentimento diferente, um entendimento, uma compreensão, um falar mudo, um toque de olhar. Assim nasceu um relacionamento visto por tantas pessoas como “aquele que nasceu para ser para sempre”, “aquele que nada nem ninguém pode separar”, mas não há nada que realmente dure para sempre, nada que o tempo não possa transformar, nada que o destino não possa tocar com suas mãos frias… e assim foi.

As carícias, as juras, os momentos de amor, a felicidade, tudo se transformou em tristeza numa fração de segundo, num erro fatal, numa notícia, num telefonema…

No meio de um verão repleto de planos um dos envolvidos nesses projetos de felicidade eterna saiu de cena, deixou que se fechassem as cortinas e se abrissem novamente para um monólogo, no entanto a garota não queria monólogos ela queria o seu amor para contracenar… mas percebeu que não era um simples ensaio e não havia como reconstruir a cena. Numa tarde quente, a garota de riso fácil nem percebeu que o seu sorriso congelara, seu corpo todo congelara. Estava absorta em pensamentos no exato momento em que o telefone tocou tirando-a de seus devaneios pueris. Atendeu-o sem vontade, mas como era uma singularidade sua sorriu ao pronunciar o “alô”, porém à medida que ouvia o interlocutor o sorriso desaparecia de sua face, a qual se obscurecia e o olhar se tornava profundo, cheio de dor, de lágrimas, de desespero. Não podia acreditar no que chegava aos seus ouvidos, pensava que só podiam estar brincando e ela não estava gostando nem um pouco daquela brincadeira. Os deuses estão rindo… e as pernas da garota estavam bambas, parecia que perderia o controle no próximo segundo, por isso se segurou na ponta da mesa que apoiava o telefone e se deixou baixar lentamente, arqueando os joelhos até que chegou ao chão permanecendo ajoelhada por uns segundos e, na sequência, o corpo continuou indo em direção ao chão, sentou. Apoiou o telefone na pena, ficou olhando fixamente para o aparelho e subitamente uma onda incontrolável de lágrimas aflorou e ela deu vazão ao que sentia, chorou descontroladamente, sozinha no chão do apartamento em que se encontrava. Ficou assim por um longo tempo e quando parou um pouco só teve forças para olhar o telefone que continuava em suas mãos, olhou por longos segundos que se transformaram em minutos e sentiu muita raiva… da vida, das pessoas, da morte… arremessou o telefone contra a parede espatifando-o completamente, mas a voz continuava em sua cabeça:

“- Houve um acidente, infelizmente não pudemos fazer nada, encontramos seus dados dentro do automóvel, por isso entramos em contato…foi morte instantânea… não houve mais nada a ser feito quando chegamos ao local… a velocidade estava acima do permitido… sentimos muito, moça.”

“Sentimos muito…, que frase idiota” pensou a garota, ninguém sente nada, todos querem se ver livres da dor, se afastar, só quem está próximo é que pode sentir muito.”

Naquela tarde de verão, um descuido fez com que uma pessoa que iria encontrar a namorada exagerasse na velocidade e ao tentar fazer uma curva, aconteceu o acidente fatal… uma colisão com um automóvel que vinha na direção oposta tirou a vida do rapaz e fez nascer uma nova pessoa, uma nova versão da garota que via sua felicidade ter sido deixada também naquela curva.

Após a notícia ela se sentiu infinitamente sozinha, sem alento, sem nada. As pessoas chegavam e saíam com seus olhares baixos e cheios de piedade, mas ela não via nada, estava submersa em sua própria tristeza. Com um misto de ódio e vontade de sumir, com vontade de sair daquele local e ir para bem longe onde ninguém a conhecia, mas não fez nada apenas se deixou ficar. Após a dor não veio mais nada, apenas o vazio e a certeza que ele não estaria mais em lugar algum no qual procurasse. Ela procurou por um longo tempo, mas logo deixou de esperar, de procurar e voltar a sobreviver, a dor era insuportável em muitos momentos, mas não podia abandonar a vida, no entanto sentia que a vida a abandonara. Fechou-se em si e abandonou também a vida… viver dói, morrer não dói, morrer é alívio… e encerramento de angústias. Apenas um pensamento lhe aflorava à mente a cada dia que deitava em sua cama:

“Sei que terei a infelicidade de abrir os olhos amanhã, mas até quando?”

E olhava em todos os cantos, ninguém via, ninguém percebia a dor, o sofrimento alheio, todos são indiferentes… indiferentes ao que o outro está sentindo, ao que se manifesta na alma das pessoas.

E a música continuava torturante, mas parecia que era a única coisa que a entendia, só a arte podia entender e manifestar toda a dor que ela sentia, exaltava a falta de caminho, a ausência, a saudade, o amor ou a falta dele. Só a arte constrói. Só ela pode enxergar a realidade humana, a sensibilidade humana, nada mais, nada mais…

Por: Edi Souza

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